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Ser mãe - Filho com deficiência - Diagnóstico

Ser mãe - Filho com deficiência - Diagnóstico

Mãe e filho
Meu primeiro e único filho nasceu em 2011 e como já contei aqui, uma gravidez perfeita e parto cesariana super tranquilo. Fomos para casa felizes da vida aprender a sermos familia.

Os meses passaram e chegou a hora da mamãe aqui voltar a trabalhar no emprego que tinha há quase doze anos. Licença maternidade e férias me deram mais de meio ano para inaugurar a maternidade, conhecer meu pequeno e ficar segura para deixá-lo em uma boa escolinha que escolhi com todo carinho. Estava realmente feliz com tudo.

Nunca tinha o visto com outros bebês e também nunca tive contato com crianças em minha vida até ali. Filha caçula em minha familia, morando em cidade sem parentes e poucos amigos de convivência pelos meus pais, fizeram com que não tivesse referências de desenvolvimento infantil.

Claro que fizemos o acompanhamento médico com pediatra corretamente desde o nascimento e em nenhum momento recebemos alertas, a não ser na consulta de primeiro mês em que o ganho de peso não foi satisfatório e então introduzimos fórmula por mamadeira.

Perceber e aceitar

Chegou o primeiro dia de trabalho e levei Renan para conhecer seus amiguinhos e titias.

Então quis Deus que eu mesma percebesse nesse primeiro dia de escolinha na volta ao trabalho. Ao entrar na sala dos bebês e permanecer por no máximo quinze minutos entre uma instrução e outra à cuidadora, pude perceber que existia algo atrasado em meu pequeno. A firmeza do corpo e agilidade de movimentos com relação aos demais ficava para trás.

A cada dia que voltava à escola ia aprimorando minha percepção, observando, tentando ver que estava exagerando. Até porque afinal, eu tinha médicos acompanhando e uma instituição educacional experientes que me sinalizariam algo errado. Mas não. Na escola indaguei a todos que cabiam se percebiam algum alerta e só bem depois uma ou outra ponderação foi-me colocada, mesmo assim com aquele pudor de considerar que cada um tem seu tempo de desenvolvimento.

Mas eu sabia. Desde o primeiro dia eu sabia e a certeza foi cravada com força lá na alma.

A suspeita

Com aproximadamente oito meses de idade Renan adoeceu com virose seguida de febre, vômitos e diarréia. Em questão de dois dias prostou completamente, de uma forma que até para uma mãe inexperiente era evidente algo fora do normal.

No pediatra ouvimos que o quadro viral poderia ser a causa de tanta prostração e que deveríamos aguardar o encerramento desse período para então reavaliar. Assim fizemos. A virose passou mas a prostração não. E Renan nunca mais foi o mesmo, os movimentos não voltaram mais. Aí sim começaram as investigações e com elas meu vocabulário se ampliou muito com palavras como distonia, hipotonia, encefalopatia, mitocôndrias e muito mais. 

Morávamos no interior de Minas Gerais, Ipatinga, minha cidade natal (na verdade nasci em Coronel Fabriciano, mas nem considero pois nunca vivi lá). Consultas e exames com especialistas eram todos na capital do estado, Belo Horizonte, para onde viajamos inúmeras vezes, sempre extremamente cansados e com o coração apertado pelo que estava por vir.

Renan continuava molinho, sem movimentos como segurar coisas e a alimentação piorou. Mal dormia cinco horas nas vinte e quatro que o dia oferecia. Chorava muito e estávamos enlouquecendo pelo esgotamento físico, mental e emocional. Consegue imaginar a angústia? Ter toda a perspectiva de futuro sumir como fumaça e nem saber onde pisar porque o chão também sumiu.

Mas a é algo impressionantemente luminoso. Espiritualidade forte transforma a capacidade de lidar com eventos originalmente devastadores a ponto de não reconhecer a si mesmo e presenciar algo que não se vê: o colo de Deus. Ainda quero descrever detalhadamente essa parte da vivência espiritual em minha vida.

Criança com deficiência - síndrome rara - pai e filho - patai patata

A confirmação

Com avaliação preliminar dos exames feitos, uma neurologista, dos três que visitamos, ficou bem certa do diagnóstico: síndrome de Leigh. Mesmo com várias possibilidades a serem descartadas ainda, ela tinha muita certeza e receber esse nome emvolveu todo tipo de sentimento que você possa imaginar.

Nunca fui de pesquisar na Internet sobre assuntos importantes como área médica e não fiz diferente nesse caso. Não me afundei em artigos porque percebi rapidamente que tais informações cabiam à médica de confirança que escolhemos. Sugar esses profissionais em cada consulta, levar lista de anotações e dar continuidade em cada linha de raciocínio traz organização para a mente que está sedenta de coisas concretas. Funcionou muito bem para mim.

Síndrome de Leigh é uma doença rara, encefalopatia mitocondrial, ou seja, danos nas mitocôndrias que ocasionam lesão cerebral. As mitocôndrias são a fonte de energia para cada célula do corpo. Pense. O corpo todo pode então ser afetado pela doença. Perda de força muscular e mal funcionamento de todos os órgãos é esperado. Cada parte que funciona bem é um milagre.

Um diagnóstico é importante para saber com o que está lidando, conhecer o terreno adversário, ajustar rotas e ter algo palpável para a mente. Saber os detalhes e a projeção da doença pode levar direto ao luto, aquele pelo filho que se foi, o filho cheio de saúde e que fazia parte de planos tão diversos, simples ou complexos pela vida afora.

Saber o diagnóstico através de um profissional competente faz toda diferença na vida da familia. Tive oportunidade de viver duas maneiras bem distintas dessa conduta médica. Um deles me fez sair em vômito do consultório: ele olhava para meu filho como um nada, como algo sem utilidade e qualquer perspectiva enquanto dizia tudo que Renan não poderia fazer, seguido de uma expectativa de vida de dois anos de idade.

A outra era uma médica que nos informou o mesmo diagnóstico, porém sem sentenciar e pelo contrário, dando um leque de recursos, tentativas e exemplos vivos, mesmo que totalmente informados da dura realidade. Essas duas posturas podem fazer a familia voltar para casa e deixar a criança numa vida sobre a cama ou vê-lo numa faculdade. Mesmo em meio a tanto sofrimento é preciso ter a lucidez de questionar aquilo que se ouve e tomar as rédeas da vida.

Mãe e filho com deficiência. Mãe e filho na rua. Criança com deficiência sorrindo.

Como lidar

Sobre o luto que mencionei, se você ainda não leu a respeito e vive uma experiência de filho com deficiência ou qualquer outra perda importante, sugiro procurar saber por rápidas pesquisas no senhor Google. Quando vi a descrição dessa realidade com suas etapas bem definidas (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), pude me identificar facilmente e ver que estava indo bem. É muito fácil estacionar em alguma dessas fases e viver num sofrimento que poderia ser amenizado ou abreviado por terapia. Meu luto foi rápido, acredito que em trinta dias já estava muito focada na busca por recursos que pudessem ajudar meu filho. Isso se deve certamente à espiritualidade e à personalidade. 

Mesmo que a síndrome tenha sido devidamente confirmada só aos quatro anos de idade do Renan através de exame genético, já tínhamos começado a jornada de terapias diversas para tentativa de ganhos no desenvolvimento e procastinação de complicações previstas desde seus dez meses de vida.

Qualquer doença é cruel, mas falando dessa especificamente, é limitante e imprevisível também. Além de ser rara, cada indivíduo apresenta manifestações diversas e isso torna o dia a dia incerto. Saber que está relativamente bem hoje e amanhã pode não estar, mexe com os nervos e é preciso focar no que importa: a solução que tem pra hoje.

Lidar com a ordem natural da vida invertida pode te mostrar o seu melhor e o seu pior. Saber que um filho quase certamente partirá antes de você... Se isso dominar a mente pode tomar caminhos escuros que paralisam a todos. Consegui ser vigilante sobre isso e como disse uma amiga: "Dar sentido à minha dor".

Com um ano de idade tive que decidir se me dedicaria integralmente aos cuidados dele ou permaneceria no trabalho, que será um post à parte aqui. Decidi pela primeira opção e permaneço nela até hoje, sem me arrepender em nenhum momento por vários motivos. Não que me vanglorie por não ter me arrependido, isso seria facilmente possível, mas digo como forma de afirmar que é possível ter essa dedicação exclusiva e ser feliz com ela. Super valeu a pena. Muito mesmo.

Ludmila Barros - 🔗@ludmilapb

Comentários

Anônimo disse…
Além da dor do diagnóstico propriamente dita , temos que viver com a falta de acolhimento e sensibilidade dos médicos, além dos muitos que nos entregam diagnósticos errados. Temos que ser mães, médicas, pesquisadoras, terapeuta....e tudo mais que precisar!!!
Ludmila Barros disse…
Verdade! Não é só maternidade que vivemos! Obrigada! 😘
Anônimo disse…
Lu, costumo dizer que sou ecumênica, aprecio todas as religioes, toda maneira de ver Deus, mas em especial adoro a visao kardecista.
Ultimamente tenho focado em física quântica,nada mais nada menos que confiar que tudo é possivel a partir do meu estado mental, ou seja pense positivo , se veja na situaçao que vc quer estar, agradeça todos os dias por tudo e entregue a Deus que tudo se realiza!! Confie!!!
Nunca tive um filho deficiente, mas uma amiga muito próxima , teve uma filha com paralisia cerebral, falesceu ano passado com 21 anos, mas pense a luta e AMOR dos pais por essa filha, hoje eles tem outra filha com 10 aninhos e saudável.
E voce percebe o quanto eles sao tranquilos, por que deram e fizeram de tudo pra filhinha ter qualidade de vida enquanto estava aqui.
Entao, acho que sua escolha foi perfeita, dedique se ao seu filhinho , vc está certissima, iluminada!
Eu quero tanto conhecer o Reinan e vc mais de perto, juntamente com seu esposo.
E conte comigo para o que precisar, nao moro em BH, moro em lafaiete, a 98 km de BH.
Será um prazer recebe los aqui em casa, quando quiserem vir, e se vc me permitir quero ir ate vcs .
bjos e muita luz no caminho de vcs!!
Deus nao da tarefas especiais a qualquer um, vc eh luz .
Bjos , se cuide e conte comigo, ok!!
🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🌷😘😘
Ludmila Barros disse…
Oh meu Deus! Que maravilha de comentário! Pena que ficou como anônimo... mas imagino quem seja! 😁 Amei o ser ecumênica! Identifico! Tudo começa em nós mesmos! E essa família soube aproveitar a oportunidade de amar! Obrigada por tanto carinho e queremos também esse encontro! Ainda estamos bem cautelosos com isolamento do Renan, mas vamos realizar isso! Fique bem querida!

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