Zé - Meu melhor amigo de infância
Fazendo contas que nunca fiz antes, minhas memórias dessa amizade são a partir dos meus seis anos e ele tinha então trinta e cinco, já casado com filhos rapazes.
Eu morava com minha familia numa avenida comercial e praticamente só tínhamos nós em uma residência por lá.
José Maria, meu Zé, era um dos vários frequentadores do nosso bar, que os alimentava e sustentava nossas vidas.
Meus pais se revezavam arduamente para fazer funcionar diariamente, entre compras de supermercado, produção de bebidas quentes e salgados desde as quatro da manhã até a noite acabar.
Era muito trabalho. Minha mãe ainda sozinha dava conta da casa e pasme: ela não tinha máquina de lavar roupas! Isso me causa verdadeiro espanto ao lembrar.
A carência
Éramos cinco, três filhos, eu a caçula. A diferença de idade de quase dez anos para meus irmãos fazia com que não tivessem lá tanto prazer em brincar com uma criança tão pequena. Minha mãe, coitada, certamente dava graças a Deus por ter uma caçula tão boazinha, que se virava muito bem sozinha no tempo livre ou com os estudos mais tarde um pouco.
Mas na verdade a carência de atenção era grande. Companhia para brincar em uma rua normal era meu grande sonho. Mas lembro de não ser insistente, a não ser quando pedia: "Vamos morar numa rua!"
Enquanto a pré-adolescência não chegava trazendo uma amiguinha aqui e outra ali, tive o Zé.
Acredite! Posso sentir o cheiro dele! Já não convivemos há muitos anos, praticamente desde meus dezoito anos. Casei, depois mudei de cidade... Mas nunca, jamais o esqueci.
Já tive momentos melancólicos de lembrar do Zé e chorar, chorar muito. Tanto de gratidão quanto por amor.
Imagine uma pessoa SEMPRE com sorriso largo, aquele sorriso que também é com os olhos. Dizem que esse é o verdadeiro sorriso, como das crianças. Era o Zé.
Ele tinha uma capotaria quase ao nosso lado. Um capoteiro muito caprichoso, assim como ele transparecia ser.
Pense também numa pessoa que sempre parecia ter saído do banho, mesmo que o suor do dia estivesse ali. Talvez o crédito fosse da pureza da alma. Era o Zé.
Escute uma voz alegre e doce... até porque lembre-se: sempre tinha um sorriso junto! Era o Zé.
Quando chegava o final de semana, todas as portas dos comércios se fechavam e só se abriam na segunda-feira. A nossa se fechava no sábado por volta das 18h e lembro-me de certa tristeza que dava não ter o Zé e tantas outras companhias em forma de fregueses.
Pense num homem que nunca negava atenção àquela criança. Fosse uma conversa, jogo de cartas, desenhos...
Sinto o cheiro do copo de cafezinho que levava pra ele no meio do dia. Pedia aos meus pais: "Cafezinho pro Zé!" e eles colocavam um dedinho no copo americano, para que não tivesse perigo de derramar no caminho. E entregava meu presente a ele, que sempre fazia festa mais uma vez. Era o Zé.
Deus supre
Ele preenchia meus dias. Ele preencheu minha infância de forma tão importante que talvez nem saiba. Agora vai saber. Mostrou-me gentileza, educação, sabedoria, afeto... não importando um diploma ou quanto ganha.
Zé fez um balanço pra mim. Sim, uma gangorra. Não esqueço nunca aquela alegria! Foi até no dia em que Chacrinha faleceu, quando ficou pronto. Eu posso sentir o cheiro também da cola usada junto ao couro azul royal, que forrava assento e encosto. A armação em ferro cuidadosamente pintada na mesma cor. Ele mesmo amarrou na viga da nossa varanda e lá permaneceu por muito tempo!
Eu só não tinha muita fartura de mãos que me empurrassem, pois os pés ainda não tocavam o chão. Mas só de ficar lá sentada por tempos e tempos, era mágico. Uma criança cria memórias afetivas de tão pouco.
Éramos tão próximos que nossas familias também se aproximaram. Fomos companhia em vários momentos, domingos inteiros com muito churrasco, farofa e vinagrete no querido Clube Parque das Cachoeiras, em Ipatinga. A década de oitenta talvez tenha proporcionado belos momentos pela falta de juízo permitida ainda sob vários aspectos. Íamos oito, dez pessoas em um Fusca para esse passeio dominical. Farra pura. Momentos que também foram de tamanha importância pra mim em outros aspectos.
Deus sabe suprir... e me supriu com o Zé.
Ele me fazia sentir importante quando ria pra mim, quando me ouvia, quando me agradava.
Ele me fez dar importância ao outro, da mesma forma. Quando valorizamos o outro, valorizamos a nós mesmos.
Obrigada Zé, pelos trinta e cinco anos de amizade, cultivada e lacrada lá atrás!
Parabéns pelos seus setenta anos!
Amo você para sempre!
Ludmila Barros - 🔗@ludmilapb
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