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Conto - Um arroto inesperado

Conto - Um arroto inesperado

Regina tinha vinte anos, já casada, falava dois idiomas fluentemente, muito estudiosa desde criança. Se é que alguém estudioso não o seja desde a infância. De familia simples mas onde nunca faltou nada e sobrou o esforço de labutas e suas recompensas.

Trabalhava há um ano em uma grande empresa de telefonia que se instalou no Brasil para abrir as portas da tecnologia de celulares. Regina e seus futuros colegas de trabalho foram treinados intensamente antes da inauguração

Instalações luxuosas para os padrões da cidade de interior, dentro do shopping. Uniformes impecáveis com meias finas e sapatos pretos fechados. Saias e coletes pretos, camisas brancas de mangas longas e até lenço no pescoço fechando o look quase de aeromoças.

O negócio era um sucesso, com atendimento impecável que já corria fama. As atendentes ficavam em baias separadas por grossos vidros fumê e um carpete verde se estendia por todo o ambiente. Na recepção os clientes pegavam suas senhas e aguardavam confortavelmente serem chamados pelas musas de meias.

De natureza calma, inteligente e educada, Regina se destacava na competência em resolver os problemas que surgiam e vendas que concluía. Uma colega amorosa, gentil, séria e engraçada ao mesmo tempo. Uma querida entre os seus. Só era rígida consigo mesma.

Mal sabia ela que o pior estava por vir. Não. Não seria um cliente que bateria na mesa ou se exaltaria de alguma forma. Isso era raro, mas acontecia e era bem contornado sempre.

Chamou no seu monitor pela próxima senha, esperou de pé como era o padrão. Cumprimentou o casal, pediu que sentassem e se dispôs a ouvi-los. Não era reclamação, mas interesse em adquirir aparelhos e planos telefônicos.

Com dois minutos de conversa, ao se dirigir aos clientes para falar a próxima frase, saiu da boca de Regina um sonoro arroto. Foi tão constrangedor quanto engraçado e inexplicável. Completamente involuntário, ela nunca tinha expelido algo assim. Não sabia que era possível. Pela feição dos clientes, pra eles também não. Mas sorriram educados.

Em fração de segundos se deu conta do que fez, ficou surda, levou a mão à boca como se ainda pudesse evitar, desviou os olhos um pouco para o lado e viu a colega Júlia desmoronar na cadeira. Ela estava sem clientes e viu tudo do seu camarote. Júlia foi girando na cadeira com a mão na boca tampando a gargalhada que queria gritar e saiu quase correndo para a copa, onde certamente sentaria no chão para rir de Regina.

Só restou a ela, nessa mesma fração de tempo, fingir que tossia seguidamente e pedir desculpas.

Mal viu como tudo acabou. Só se lembra de ter se juntado depois aos outros para rir de si mesma, coisa que não fazia muito bem naquela época.

Ludmila Barros - 🔗@ludmilapb

Comentários

Márcia Magalhães disse…
Muito bom!!!
Ludmila Barros disse…
Obrigada amada!

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