Conto - Sessão de cinema
Logo enviou mensagem pro marido no trabalho, dizendo que iria na próxima semana assistir. Olhou as melhores salas, horários e quis fugir das lotações de férias. Ficou realmente ansiosa. Ficou combinado.
Mas aquele desejo visceral chamou sua atenção. Por que queria tanto isso?
Tinha mesmo algo a mais. Tinha a ver com a semente plantada da tristeza que brotava. Ela por fim entendeu. Queria o refúgio do escuro e do isolamento por três horas.
Era um presente que estava se dando. Escolheu uma sala VIP com belas poltronas reclináveis, comprou logo aquele combo astronômico de pipocas de todos os sabores e refrigerantes, mesmo sabendo que não daria conta.
Conseguiu chegar uma hora antes, tomou um bom café espresso na porta do cinema, onde uma refinada lanchonete sempre a agradava. Certa vez o gentil dono lhe deu panquecas da casa para degustar.
Lá foi Ana então para seu esconderijo. Ah como foi prazeroso entrar naquela grande sala escura! Como planejado, tinham poucas pessoas. Salpicadas cabeças estavam bem distribuídas e o desejoso silêncio reinava. Só a tela gigante falava com os trailers que anunciavam o início do filme.
Ana se sentiu no paraíso, se sentiu dentro de si mesma, o melhor lugar que poderia. Aconchegada no estofado macio, sua comida e bebida no colo como criança, sentindo o prazer das pipocas doces e salgadas.
Mergulhou na tela e se emocionou, riu e se emocionou de novo (mais do que o normal, parecia).
Cumpriu a promessa e não olhou o celular por aquelas horas. Saiu satisfeita com tudo. Foi perfeito como esperava e precisava.
Foi tão intenso que não parava de pensar, querendo mais daquilo e entender também. Fez retrospectiva.
Os dias vinham sendo difíceis para Ana. Deprimida, não queria nada de nada do de sempre. Estava infeliz e insatisfeita. Queria ficar sozinha, sem rostos, sem sons conhecidos da rotina. Queria viver, mas viver diferente. Não queria partilhar momentos. Queria vivê-los com ela mesma, no conforto do seu eu, sem cuidar de nada nem ninguém. Sem ponderar opiniões e desejos com outras pessoas.
Ana se sentia como peixe na rede. O que era a vida se não redes o tempo todo? Conseguia se livrar de uma e lá vinha outra. Mas agora ela queria se confortar naquela rede. Não debater, se entregar, viver ali dentro, sozinha.
Queria dar-se o luxo de não ter que se alegrar pelo outro e sim poder ser satisfeita com sua tristeza que sabia, um dia passaria. Isso que importa saber a quem sofre. Não tem como explicar a dor a alguém. E ninguém tem a obrigação disso. Basta cada um respeitar, vigiar e esperar.
Então, tentando se entender, ela entendeu tudo isso. Aquela sessão de cinema foi, antes mesmo de perceber, uma oportunidade de ser contente com sua tristeza por três horas.
Ludmila Barros - 🔗@ludmilapb
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