Mãe guerreira
Já mencionei sobre essa expressão em alguns posts no Instagram, levantando a questão de frases feitas que podem romantizar situações ou simplesmente serem termos que de nada valem.
Não que me incomode ser chamada assim, longe disso. Geralmente percebo empatia genuína pelo locutor.
Na verdade também tenho um pouco de ranço de regras demais em torno do que se pode falar hoje em dia.
Até onde tem respeito, meus ouvidos e meu coração não se incomodam.
Sobre romantizar
Mas pra quem está aqui nessa leitura, sobre romantizar, que também me parece verbo da moda, soa como camuflar um mundo que não é encantado.
Dizer que a mãe de uma criança com deficiência é guerreira, é especial, é iluminada, é um ser melhor que outros, não traduz a realidade. Não para mim.
Nunca estarei aqui para doutrinar ninguém, apenas expondo minha forma de pensar, sentir ou reagir, que podem a qualquer momento mudar também.
É que sou pessoa demais, humana demais, normal demais para aceitar qualquer condecoração por ter um filho com deficiência.
Digo isso até sobre várias mães que já conheci também.
Na verdade me incomoda mais é pensar que uma percepção romantizada possa ser frustrante para quem a tem.
Uma deficiência é uma fatalidade genética ou de outras origens. É uma realidade dura demais para ser recebida, acolhida, digerida e conduzida vida afora.
Não há mérito como mãe-gente que faça ser digna de algo assim.
É uma grande dificuldade que a vida oferece, como várias outras. É como se eu dissesse a alguém que tem câncer que ela é uma guerreira por ter a doença, ou que é especial por isso.
É diferente quando a perspectiva está sobre resultados obtidos.
Se a forma de lidar com o problema é encantadora pela fé, pela força, pela paz que excede todo entendimento (só de Deus), se a vitória é de uma pessoa guerreira, pois enfrentou todos os medos, empecilhos e provações, aí acho válida a expressão.
Talvez as pessoas queiram no fundo dizer sobre isso, mas os momentos são sempre tão breves que não há tempo para delongar e entender melhor da minha parte.
Mesmo assim, a percepção que tenho geralmente pelo feeling é da fantasia.
A vizinha
Voltando à minha vizinha, em frente à porta do elevador que chegava, cumprimentamos e ela perguntou como estavam as coisas.
Era um dia cansado então respondi cansada, que tudo bem, dentro do normal. No meio da frase percebi nela aquele olhar de quem se compadece.
Foi como se antes de eu terminar a frase, ela já soubesse que eram sempre dias difíceis. E são.
E ela emendou dizendo o clássico com ar pesado: "...você é muito guerreira". Respondi delicada "obrigada, mas não acho. Acho que ser mãe é tão difícil pra todo mundo!"
Ela me pareceu se surpreender tanto com meu quase questionamento. Acho que ela se sentiu acolhida. Abaixou os olhos e concordou: "é verdade".
Eu vi dissipar o peso no semblante dela, que eu prestava muita atenção desde o primeiro segundo da conversa.
Foi quando eu percebi algo inédito: as culpas que as mães carregam, sempre achando que fazem pouco pelos filhos.
Fez tanto sentido! Ocorreu-me que seja possível uma comparação cruel consigo mesma: "Ela tem um filho cadeirante, completamente dependente, vive por conta dele. E eu? Faço nem a metade e ainda reclamo."
Só que não é real. Mães fazem muito, em qualquer cenário. É coisa demais, refeições, birras, fases, escola, medos.
Claro que há imperfeições e coisas a melhorar sempre. Há também quem não era pra ter sido mãe, mas graças a Deus pessoas boas prevalecem no mundo.
Então, o elogio discorrido a mim, pode ser na verdade uma pesada autocrítica.
Não quero que você, mãe, sinta isso. Tomara que eu esteja enganada.
Ludmila Barros - 🔗@ludmilapb
Comentários
Não q vcs mães não façam tudo e mais que faço longe de mim ..só não importo muito com este título "guerreira!!!!
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