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Ir devagar

  Ir devagar Dirigindo ela busca permanecer atrás de quem vai devagar . Atrás daqueles que a maioria quer ultrapassar . Um lugar que parece confortável para pensar menos . Ela precisa disso. A mente lenta , cansada, o corpo parece de outra pessoa. Tristeza plantada no coração enraíza por todo canto, como erva daninha . E ao mesmo tempo que sabe de onde vem, também não sabe. Uma melancolia chata. Só sabe que agora, ali, quer demorar mais a chegar. Só quer ir devagar. Ludmila Barros 🔗 @ludmilapb

Mãe por perto

Mãe por perto Minha mãe chega e preenche meu ser e o ar com prontidão. Faz dissipar preguiça, procrastinação e lamúrias que possam existir. Além de ser minha mãe , o que quer dizer tudo de onde vim , é também um ser humano admirável . Seu vigor é nato pelo provento e pelo trabalho. Vindo de onde veio, das dificuldades como dividir um ovo com os irmãos e usar folhas de pão como caderno, é uma vencedora . Vencedora não por riquezas financeiras acumuladas, mas pela forma admirável que passa pela vida e por cada luta, sempre com fé em Deus e no esforço próprio. Ela me faz sentir vergonha e me mexer na cadeira. Como quando você está na sua grande zona de conforto, esparramada na cadeira de trabalho e chega alguém com autoridade em energia. Uma bela mulher de Provérbios, que tanto admiro e tento ser com pernas bambas e mais erros que acertos. Aliás, sobre esse assunto, mulher de Provérbios, super recomendo o conteúdo de minha amiga e psicóloga Aline Rodrigues . Uma mulher que por fim perde...

Conto: O Beco

Conto: O beco Ele acordou cedo, ainda cinco horas da manhã, mesmo sendo domingo.  Mais um dia com as mesmas coisas e após ler rapidamente as notícias pelo celular, preparou seu primeiro café da manhã seguido da alimentação e medicamentos do filho que ainda dormia tranquilamente.  Ligou a bomba de nutrição que o alimentaria pelas próximas duas horas e medicou. Deixou-o ainda em sono gostoso. Sabendo que a esposa dormia ainda, porém atenta, Júlio calçou seus tênis, vestiu roupas leves e seguiu para seus exercícios na academia que não era tão perto, mas dessa vez decidiu caminhar até lá. Com os pés no chão é possível perceber melhor. Tudo fica nítido e presente. Coisas que pareciam não existir, tomam forma e chamam atenção pelo caminho. Lojas, pessoas, detalhes do calçamento e o céu. Quase no meio do percurso avistou num beco longo e sem saída do outro lado da rua , um casal jovem que se beijava apaixonadamente. Pareciam corpos e rostos de quem passara uma boa noite de festa e i...

Pai, avô e neto

Pai, avô e neto Quando meu pai faleceu , eu, meu filho Renan e meu marido Emerson já estávamos há dias na cidade dele. Já não estava bem. Naquele turbilhão todo que a morte faz, mesmo que calma, teve a perspectiva do Renan. Pelo menos tenho a minha versão disso. Foi interessante porque vínhamos de um ano difícil sobre o comportamento do nosso pequeno. Muito choro e indisposição sem explicações. Eis que ficamos 45 dias na casa dos meus pais e em todo o tempo, como um milagre, e acredito mesmo que seja, Renan ficou quieto, calmo como não contemplávamos há muito tempo. Eu me lembrava que tinha que conversar com ele sobre seu avô , mas deixava para depois, enquanto estava ocupada com uma coisa aqui e outra ali. E sabia que ele tudo ouvia e via. Participou de tudo. Eu estava devendo uma conversa. Até que após o falecimento , ele passou a demonstrar reações emocionais enquanto escutava conversas sobre o avô. Fazia beicinho e até chorou com lágrima silenciosa. Tem que explicar Eu então me...

Mãe guerreira

 Mãe guerreira "Nossa Ludmila, vocé é uma mãe guerreira , viu?" Uma vizinha querida me disse essa frase enquanto aguardávamos o elevador.  Não foi a primeira vez que ouvi isso nos últimos onze anos, mas dessa vez parece que prestei mais atenção e percebi algo diferente. Já mencionei sobre essa expressão em alguns posts no Instagram, levantando a questão de frases feitas que podem  romantizar situações ou simplesmente serem termos que de nada valem. Não que me incomode ser chamada assim, longe disso. Geralmente percebo empatia  genuína pelo locutor.  Na verdade também tenho um pouco de ranço de regras demais em torno do que se pode falar hoje em dia. Até onde tem respeito , meus ouvidos e meu coração não se incomodam. Sobre romantizar Mas pra quem está aqui nessa  leitura , sobre romantizar, que também me parece verbo da moda, soa como camuflar um mundo que não é encantado.  Dizer que a mãe de uma criança com deficiência  é guerreira, é especial,...

Colorir e a vida adulta

Colorir e a vida adulta Há uns sete anos, lembro de deixar o livro de ilustrações com o lápis roxo na bancada da cozinha, enquanto tentava alimentar meu filho , com dificuldade (o que era rotina e estressante).  Recorria ao livro entre uma tentativa frustrada e outra, como quem deixa ali um pote de doce para aliviar a fome da tensão, enquanto não se pode parar o trabalho.  E eu me desconectava por alguns segundos, talvez minutos, colorindo mais uma pequena parte daquela página. E voltava ao trabalho. E coloria . E voltava ao trabalho. Quando começa O lúdico da infância e seu descompromisso com o perfeito deixaram esse gosto e apetite frescos na memória. Porém, até bem adulta , não colori mais. Apenas gostava muito. Sempre me lembrei da mesa de mogno bem preta em que estudava e coloria até lá pelos meus onze anos. Vagava por livrarias só pra sentir os aromas. Então, uma autorização para ser criança tinha surgido no mundo. Os livros de colorir para adultos viraram mo...

Tristeza x felicidade

Tristeza x felicidade Estar triste é tão ruim. Conhecer a felicidade faz isso. Daquela tristeza profunda, paralisante. Quando já se sabe como sair dela e mesmo assim não consegue, vem a culpa. Acho que isso, a culpa, é o que mais acaba comigo em períodos tristes . Corrói .  Há sempre motivos para sentir alegria . Desde respirar e todo o resto.  Estar triste não é ingratidão . Aprendi isso. Viva a terapia . Mesmo assim, mesmo já aprendido, não consigo evitar. Só amenizar, às vezes. Talvez agora esteja com motivos mais profundos. Acho que é isso. Ter motivos para ser feliz não exclui a infelicidade. Não. E tudo bem. Não sou uma má cristã por estar infeliz. Viu cérebro? As lutas alheias também contribuem para essa culpa dita antes. O tal do olhar em volta e ver as dificuldades superadas dos outros que ainda sorriem. Isso pode ser benção ou destruição. Não se trata de ser feliz, mas de aprender a lidar com as tristezas. Posso estar triste ou ter motivos para isso e viver bem. ...

Conto - Sessão de cinema - Fuga

Conto - Sessão de cinema Era sexta-feira quando ela viu sobre a estreia do filme no cinema . Em segundos sentiu urgência em assisti-lo. Pensou tudo ao mesmo tempo: amava fazer isso, não o fazia há muito tempo, apaixonou por esse filme há dez anos no primeiro, era um filme longo de três horas (como gostava ainda mais).  Logo enviou mensagem pro marido no trabalho, dizendo que iria na próxima semana assistir. Olhou as melhores salas, horários e quis fugir das lotações de férias. Ficou realmente ansiosa. Ficou combinado. Mas aquele desejo visceral chamou sua atenção. Por que queria tanto isso? Tinha mesmo algo a mais. Tinha a ver com a semente plantada da tristeza que brotava. Ela por fim entendeu. Queria o refúgio do escuro e do isolamento por três horas. Era um presente que estava se dando. Escolheu uma sala VIP com belas poltronas reclináveis, comprou logo aquele combo astronômico de pipocas de todos os sabores e refrigerantes, mesmo sabendo que não daria conta. Conseguiu cheg...

Oi, morte

Oi, morte Ontem eu fugi. Vontade de viver só comigo. Conhecer a morte fez isso. Não precisa morrer pra conhecê-la.  Escolhi um café como companhia. Alguém passa falando alto e me irrito. Não se pode sofrer como quer? No fundo sei que nem chego perto da dor máxima. Deus não deixa. De vez em quando Ele abre uma janela e me chama pra debruçar nela. Aí sim, nesses momentos sinto uma partícula da grande tristeza e percebo Seu cuidado , de novo. Porque a lasca que a morte tira (da alma, do coração, do ser) é algo que incomoda o tempo todo, até mesmo quando esqueço dela. Plantou um vazio estranho e lágrimas sempre prontas a descerem pelas bochechas. Inclusive agora elas estão como orvalho, ainda nos cílios.  O kimono do luto me vestiu quando voltei pra casa e à minha rotina. Tudo ficou pesado . Um pesar que passou a fazer parte das minhas células. Até em momentos leves ou quase felizes, sinto um oco, um eco. Lembro dele sem lembrar. Esqueço dele sem esquecer. Eu era curiosa sob...

Conto - Um arroto inesperado

Conto - Um arroto inesperado Regina tinha vinte anos, já casada, falava dois idiomas fluentemente, muito estudiosa desde criança. Se é que alguém estudioso não o seja desde a infância. De familia simples mas onde nunca faltou nada e sobrou o esforço de labutas e suas recompensas. Trabalhava há um ano em uma grande empresa de telefonia que se instalou no Brasil para abrir as portas da tecnologia de celulares. Regina e seus futuros colegas de trabalho foram treinados intensamente antes da inauguração Instalações luxuosas para os padrões da cidade de interior, dentro do shopping. Uniformes impecáveis com meias finas e sapatos pretos fechados. Saias e coletes pretos, camisas brancas de mangas longas e até lenço no pescoço fechando o look quase de aeromoças. O negócio era um sucesso, com atendimento impecável que já corria fama. As atendentes ficavam em baias separadas por grossos vidros fumê e um carpete verde se estendia por todo o ambiente. Na recepção os clientes pegavam suas senhas e ...