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Coisas de UTI

  Coisas de UTI Cá estamos e daqui a pouco vamos embora. Deus quer. O tempo passa e uma intimidade é criada com o perigo. Coisa de acúmulo de experiências e conhecimentos. Já venho para o hospital com ou sem malas prontas, sabendo se vai internar ou não. Sei se devo esperar em casa um, dois ou três dias para vir. Sempre ligo o botão da dúvida, para saber se a prepotência está me conduzindo. Os exames então são feitos e confirmam uma permanência necessária, porém estável. Quase nada aqui me incomoda mais. Consigo dormir, tem boa comida, profissionais solícitos e amigáveis. E sei que aqui se salva uma vida . Posso ouvir histórias de vida de todos os tipos e aprender mais. Posso ver pais recém-nascidos inaugurando uma jornada com tantos medos e muitas vitórias, hora a hora. Posso conhecer familias com longas caminhadas já feitas, na mesma zona de conforto desconfortável que eu. Tem até parte engraçada: na copa dos pais, entre uma conversa e outra, acontece certa disputa de quem já sofr

Sorriso que fala

Sorriso que fala Há três anos, num box de UTI . Era a reta final de uma internação de uns vinte dias. Já estável, o médico havia autorizado um passeio pelos corredores e até ao jardim que existe lá. Para ganhar um sorriso , puxei essa conversa. Você já deve saber por aqui... Renan responde com sorriso para o sim e beicinho para o não. Não gosto muito de rever fotos e vídeos antigos, sejam de bons momentos ou não. Mas esse sorriso me dá uma vontade danada de dizer eu te amo pra tela do celular. Porque ele mexe na coisa que mais me sustentou até essa época: vê-lo respondendo. Essa capacidade de receber um estímulo, processá-lo e entregar um resultado. Isso é fascinante para uma mãe que entende, quase como médica, a complexidade que é. Um sorriso desse é um milagre . E eu te amo. Ludmila Barros 🔗 @ludmilapb

Oração de perdão

Oração de perdão Senhor,  Se me confundi entre meus desejos e Seus planos, peço perdão .   Se por vaidade quis carregar os fardos sozinha, peço perdão.   Se há fardos demais, não os entreguei em Sua Cruz . Perdão.   Quando está pesado demais, sei que me distanciei de Ti. Perdão.   Quando há perguntas demais em minha boca, falta o Espírito Santo em minha alma. Perdão. Amém.

Filho com deficiência: coisa boa

                                                    Filho com deficiência: coisa boa Tem algumas coisas que penso serem coisas boas de ter um filho com deficiência . Tirando a parte espiritual, de benção ou herança de mim. Uma delas é que ele provavelmente terá vinte anos e tiraremos fotos assim. Mesmo com sua percepção de mundo que o levaria a se distanciar dos pais achando que já cresceu muito pra isso. Sua lesão cerebral , sua dependência total sempre o deixarão à mercê do amor . Ele sabe que já é grande. Tem seus pudores . Mas sorte a dele e minha, o vínculo sem rupturas que sua condição favorece, faz querer e se entregar ao colo . Esteja com dores, com músculos rígidos, com febre. Esteja como for, ao ser aninhado assim nos braços e no peito, ele parece chegar ao paraíso . E eu também. Mesmo que dure pouco a quietude. Mas a primeira percepção do meu calor, faz aparecer um sorriso . E esse instante é como uma eternidade em nós. Ludmila Barros 🔗 ludmilapb

Euforia no velório

 Euforia no velório Sim, eu fiquei eufórica no velório e enterro do meu pai, há sete meses. Que coisa esquisita. Ele faleceu às três da manhã e meu irmão que o acompanhava no hospital, esperou amanhecer para nos contar. Ainda me emociono ao lembrar dessa gentileza. Eram seis da manhã quando eu, minha mãe e meu marido soubemos então daquela notícia tão triste. Alguns abraços, lágrimas e logo começou o dia estranho . Não havia dor, desespero nem indignação. Só calma e um vazio anestésico. Na minha fé isso é o famoso colo de Deus. Essa mesma fé que também faz enxergar os livramentos . Ele não merecia sofrer e não sofreu. Logo a mente já estava também presa aos afazares que esse momento pedia: organizar velório, enterro , roupa que seria usada pelo meu pai que se foi. Tinha também os avisos, as pessoas que viriam de longe, horários, lanches e principalmente checar as condições de minha mãe o tempo todo. Eu jurava que ela não aguentaria. E tudo seguiu como em flutuação, dentro de um sonh

Filme: Boa sorte, Leo Grande

  Filme: Boa sorte, Leo Grande A profundidade desse filme me impactou.  Diria que homens e mulheres deveriam assistir com o mesmo olhar atento, mas quase impossível, dada a natureza. Trata-se de uma viúva e aposentada. Viúva há dois anos, após longo casamento monótono, onde somente seguiu o fluxo como mulher triste. Aposentada como professora de religião, frustrada pelas próprias convicções ensinadas. Ela então desperta para a chama do org@smo que nunca teve. Entre outras coisas no se&o. Contrata os serviços de um garoto de progr@m@ para sentir, viver e aprender tudo o que seu corpo foi criado para receber. Com maestria nas atuações e incrível sensibilidade no texto, o filme se desenrola em alguns encontros dos dois. Nela, o que mais me tocou foi a representatividade de tudo e de todas as mulheres.  Não importa a idade: você se conhece se&ualmente? Você tem pudor, sozinha, entre quatro paredes? Você é anulada pelos preconceitos se&uais do seu companheiro? Nele, a beleza fic

Coisas criam memórias - blusa do meu pai

  Coisas criam memórias - blusa do meu pai Após mais um dia frustrante vendo meu filho se machucar sucessivas vezes involuntariamente e minhas cólicas com pernas pesadas sem trégua, tive que sair para comprar algumas coisas, ao anoitecer. Frio de outono, abro o armário e essa blusa está lá no cantinho, dobrada como a deixei há uns cinco meses. Ela era do meu pai. Quis vesti-la imediatamente. Quis o calor de sua linha para aquecer. Quis o conforto de seu tamanho grande. Quis o toque do tecido que sentia ao tocar meu pai enquanto a usava. Quis sentir seu cheiro adocicado por diabetes (sim, não lavei). Então a vesti. Caramba! Tudo que queria, aconteceu em segundos. Veio forte porque sinceramente não lembrei muito dele nos últimos dias. E tanto faz: lembrar ou esquecer é ruim. Vesti e a saudade me vestiu também. Talvez mais lembranças do final do que saudade. Dirigindo, engarrafamento, belas músicas antigas no rádio e já não enxergava direito pelos olhos marejados . Tantas memórias! Jan

Conto: Hábito de lambedura

  Conto: Hábito de lambedura Minha mãe teve muitas empregadas, ou tentativas de ter. Não eram para casa, mas para ajudarem nas tarefas da lanchonete que tínhamos. Tudo muito simples, menos o capricho de minha mãe. Primorosa e orgulhosa o bastante para não admitir coisas mal feitas. Mantinha tudo muito limpo, mesmo nada sendo lá de alguma beleza.  Fazia todos os quitutes oferecidos: salgados, carnes, refeições, café, queimadinha (açucar caramelizado com leite e canela) e tanto mais. Quem comia uma vez, virava freguês. Como ela sempre disse: "não existe comida gostosa sem capricho". A luta era grande e pesada. Ela acordava às quatro da manhã todos os dias e só descansava aos domingos. Quando terminava as demandas do bar, lá pelas 18h, ainda passava roupas antes de dormir. Precisava mesmo de ajuda. A bendita e desejada empregada nunca dava certo. Porcas, irresponsáveis, ladras (infelizmente). Aparecia de tudo. O bar ficava na frente do lote e nossa casa nos fundos, numa avenida

Mulher Deprimida

Mulher Deprimida Quando estou deprimida , mas de verdade, tenho vontade de jogar todas as plantas vivas que tenho no lixo. Fiz isso uma vez. É interessante que nas poucas vezes em que me deprimi de verdade, as plantas não estavam bem. Estavam querendo morrer , feias. Parece até causa e consequência: eu e elas. Fui ficando mal e elas também. Talvez meus cuidados tivessem diminuído. O problema é que quando se está doente , precisa-se de ajuda. Dificilmente há vontade de ajudar alguém, ou algo. E em períodos difíceis , as plantas ficam em desvantagem de prioridade frente a todo o resto. Mas voltando à vez em que fui má, foi assim: Eva estava em minha casa, uma querida. Ia uma vez por semana limpar tudo. Com aquele ar de dia de faxina, senti ímpeto de tirar pelo menos aquela obrigação da minha vida: cuidar das plantas. Senti urgência em fazer e falei com Eva: "bota tudo no saco preto". Alma boa que Eva era, teve dó, compadeceu pelas plantas. E morreu de rir. Disse que eu realmen

Conto: Barato do meu cachorro

  Conto: Barato do meu cachorro Eu nunca fumei . Nada, de nenhuma planta ou veneno. Lembro do ditado que diz que então morri, porque também não bebo nem cheiro. Por honestidade, que conste: bebo vinho eventualmente. Então, pelo ditado, ainda presto pra alguma coisa. Mas a história é sobre uma amiga que bebe e fuma (planta). Essa bela adormecida (pra não dizer outra coisa), inventou de pedir demissão e morar na Austrália. Despedida Eis que para ir embora (morava sozinha) teve que desfazer de tudo, até só restar o que coubesse em duas malas. Ao final de todo desapego, em sua últtima noite no Brasil, ela dorme em minha casa. Naquele clima de despedida, uma terceira amiga se junta para ajudar na organização da bagagem e darmos adeus num jantar que fiz com carinho (lasanha à bolonhesa). A descoberta Eu na cozinha, passava de vez em quando pelo quarto onde estavam, quando em dado momento avistei um cigarro de planta num nicho baixo da parede. A amiga, futura australiana, caiu na risada e di